Quem é Seu César?
David Santos
Não temos outro rei a não ser César!
(Jo 19,15)
A voz do povo é a voz de Deus. Quantas e quantas vezes, ao
escutar essa expressão identificamo-nos a ela, sem fazer questionamentos
comuns. Nem mesmo surge a indagação. O que motiva a voz do povo? Qual é o
fermento que faz a massa crescer, que torna esse pão saboroso aos olhos? O ‘pão da voz do povo’ é o mesmo ‘pão que
precede do logos de Deus’?
Essa sexta-feira, diferente um pouco das outras, para os
católicos. Não representa somente as lindas figurações da Paixão de Cristo.
Popularmente está encravada em nós, como os espinhos que se encravaram no ‘Crânio
Divino do Nazareno’. Rememorando-a, a cada ano, em um ciclo ininterrupto de ‘devoção
e fé’, fazemo-nos presentes naquele lugar. Vemos aos olhos da imaginação e da
interpretação àquele que consideramos o Deus vivo, ser crucificado. Será que
foi ele elevado pela vontade do Pai, ou, foi crucificado pela corrupção e
desejo de poder de uma minoria?
O que de oculto, fazia a ‘massa’ crescer? Hoje, o que de
oculto faz nossa massa crescer? Quem é nosso rei?
Não temos outro rei a não ser César! (Jo 19,15)
Quem é o seu César?
Em nosso mundo impregnado de conceitos e imagens que nos despertam
desejos e sensações, temos muitos Césares. Possuímos diversos modos de Existir.
O pensar, o consumir, o desejar, o querer, o fazer,..., o ter. O pequeno grupo de sábios, do segundo
testamento já elegeu seu Deus, quando pela boca, pela palavra, confessam sua fé:
Não temos outro rei a não ser César! (Jo 19,15)
O fim desta narrativa se sabe. A vivenciaremos em nossas
ruas, em nossos templos, em nossos teatros, em nossos cinemas hoje e por algum tempo ainda. Porém recuso-me a
acreditar que esses ritos, sirvam somente para tomarmos uma dose de emoção e
vivermos em nosso mundo de fermentos que fazem de nosso pão de cada dia bonito
aos olhos e venenoso aos justos. Olhar para essa narrativa e olhar para o mundo
deve trazer-nos algo novo.
O novo, talvez, esteja em olhar as estruturas que nos cercam
e não nos fazermos de cegos, diante da corrupção. Diante dos fins, de uns, que justificam
os meios de todos. Aceitar meios que nos levam a menos vida, que não
proporcionam que nos realizemos como seres humanos, que nos façamos em nossa ação.
Não é somente optar por um César qualquer, é optar pela morte da vida, pela
morte da verdade, pela morte da justiça, pela morte no caso de nós Cristãos, do
Filho de Deus, do próprio Deus vivo.
Jesus optou e escolheu seguir até o fim o produto de seus
atos e escolhas. Não fechou os olhos à injustiça, devolveu a visão e a vida a
quem necessitava. Toda essa revelação levou-o ao caminho da Cruz. Já que
enfrentou de frente as correntes que amarram o ser humano a escravidão que lhe
é imposta, por um grupo seleto de privilegiados. Privilegiados que elegerão seu
Deus no fim e que não assumirão o produto de seus atos. Que nossa sexta-feira
santa seja não somente fruto de emoções que se esgotarão. Mas que ela sirva de
reflexão para enfrentarmos até o fim a corrupção, a injustiça, a mentira e o
esvaziamento do que escapa de nós.
Quem é o seu César?
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