Uma condição indigna.

David Santos


Grandes aglomerados humanos impõem  uma reflexão sobre: o  que é o humano?   Meditação que interroga quem contempla a vida e traz  consigo valores que vão de encontro aos valores contidos nas “Nano Culturas” que convivem dentro de nossa civilização. Uma civilização, não mais guiada por uma única verdade. Um mundo que trouxe para o imanente o transcendente e o transformou em bens e valores. Uma realidade, onde cada vez, é mais comum o outro, não implicar, quase nada, na vida do outro. Individualista, imediatista, que se transcende em si mesma e carrega um conjunto de verdades, que convém, a cada qual, como deseja. Verdades que se consomem.
A “realidade” hoje, em sua maioria é dirigida pela ciência, primeira candidata à substituta da Igreja e já adotada pelo Estado, que aparentemente rompeu com a Religião.  A ciência traz consigo seus “sacerdotes modernos”, aquelas figuras simbólicas que significavam o mundo antigo e que passam a significar o mundo atual. Sacerdotes representados pelos cientistas (Administradores, Economistas, físicos, matemáticos, juristas,..., sociólogos). Ela, a ciência, é capaz de explicar quase tudo, menos seus procedimentos e a si mesma, capaz de representar o número e incapaz de responder: O que é o número? O que é a beleza? O que é o pensamento?
Diante de tantas verdades vertentes de canais distintos, como pensar o Humano? Como pensar o que é o humano? Se ele foi dividido e fragmentado.
Trago presente, um mundo contido dentro de nossa civilização, o mundo da periferia, o mundo no qual vivo.  Mundo impregnado pelo individualismo.
Narro duas cenas chocantes das quais presenciei. A primeira do morador de rua que segundo os jornais de Belo Horizonte caiu no rio Arrudas no dia 04/11/2013.
Passava pelo local no memento e vi o “desespero” de uma mulher que ligava para pedir socorro: Um Homem pulou da passarela.  Vi a indiferença da vendedora ambulante que dizia: “O drogado foi brincar de voar”. E a preocupação da senhora que me disse: “O demônio está solto, viu só, como aquele jovem pulou do viaduto, jovem bonito”. E senti a minha incapacidade de mudar determinadas coisas, não adiantava olhar o corpo atirado no Rio Arrudas, não mudaria nada, aquele passado no qual habitava vida naquele corpo, já não existia no presente, como o presente em que está sendo escrito esse texto já se tornou passado quando digitei o ponto a seguir. A outra cena foi quando voltava para casa dois dias depois, vindo do centro de Belo Horizonte de ônibus.
 Dois adolescentes discutiam sobre a violência de seu mundo, violência já comum aos ouvidos de quem habita pelas bandas da periferia. Discutiam o ter que subir o morro para comprar armas e que só tira a arma da cintura quem é capaz de matar, caso contrário não é homem. Nessas condições, reflito sobre o que é ser humano, ou o que é a verdade? Como nossos sacerdotes modernos, podem significar o mundo para que se resolvam a violência da indiferença e a do abandono? Mundo da depressão, do consumo, da prisão em si mesmo.
O primeiro caso saiu no noticiário que o morador de rua não identificado caiu no Rio Arrudas. A quem “não tem nome”, não se cogita a possibilidade de suicídio. Aos jovens do segundo caso, talvez um dia, se não subirem o morro, não sairão na página interna de nossos jornais que narram nosso derramamento de sangue inocente, sangue excluído do mundo dos psicoterápicos e do consumo. No caso do indigente se, se cogita a possibilidade de suicídio, abre-se a discussão do que levaria um homem, morador de rua, a cometer suicídio. Abriria margem para questionarmos  o sistema que nos marginaliza e nos escraviza. Isso é difícil, é melhor lutar pelos direitos dos animais que estão sendo abandonados. A Copa se aproxima temos que terminar as obras.

A cada dia nossos “Sacerdotes  modernos” nos dão mais tecnologias, nos dão mais o que consumir, criam complexos sistemas econômicos, criam leis para sustentar suas verdades, mas quando é que suas descobertas vão valorizar a quem devia tê-las como meio e que são instrumentalizados no lugar da técnica? Quando deixarão de existir essas periferias excludentes, que marginalizam, que fazem  matar, que fazem homens brincar de pássaros sem asas, esborrachados em córregos? Quando, não existirá mais uma condição indigna? 




Fonte da Imagem: http://metalurgiadasletras.blogspot.com.br/2011/08/debaixo-da-ponte.html

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