Beleza

 Admiração, encantamento, espanto, contemplação, saída de si diante da magia do inexplicável.   Diálogo entre o apreciador e o objeto de valor. Assombro que leva quem contempla a uma fuga de si mesmo. O encontro entre o harmônico e o simétrico, traz à luz a beleza. Ela é ocasião de saída de si, desencadeada na admiração, no encantamento, no espanto, na contemplação, no abandono do “ensimesmamento” que desarma o sujeito diante de algo que ele valoriza e que carrega como valor cultural. Escreveu Humberto Eco: “Bello – al igual que gracioso, bonito, o bien sublime, maravilloso, soberbio y expresiones similares – es un adjetivo que utilizamos a menudo para calificar una cosa que nos gusta” (ECO, 2010, P.8). A beleza está contida no conjunto dos gostos particulares recebidos da tradição da qual se faz parte, é algo pessoal, leva em conta a cultura na qual o sujeito está imerso.
Como a tradição sofre alterações temporais, o conceito de beleza também sofre tais mudanças, mas existe algo que permanece subentendido nesse movimento conceitual, que a caracteriza e a torna evidente.

Qual é a diferença entre a pintura da Virgem  Benois[1] e a pintura A Boba[2]?

Humberto Eco, ainda em sua obra, Historia de La Belleza, faz as seguintes colocações: “Tendemos a considerar bueno aquello que no solo nos gusta, sino que además querríamos poseer.[...] Es un bien aquello que estimula nuestro deseo” (ECO, 2010, P. 8). A coisa boa desperta e estimula o desejo. Não basta simplesmente diante de algo que se tem como belo à admiração, nem mesmo satisfará esse desejo à posse da obra que detém em si o belo. A formosura acarreta no Homem o desejo, que traz com ele o querer, que sugere o possuir. Acarreta uma atitude gratuita, e não gratuita, de posse e desejo como explica Eco. Diante de uma vitrine de uma confeitaria o diabético mesmo que não consuma o doce, admira sua beleza e se satisfaz pela admiração. Não é necessário ser dono de uma obra artística para reconhecer sua beleza, nem mesmo possuir o  que se considera belo para acha-lo belo. O simples fato gratuito de reconhecer a beleza em algo que se tem como valor já dá sentido a ela, a posse de algo considerado belo, para si mesmo, não leva a gratuidade, mas sim ao egoísmo.
Contrário ao desarmônico, ao desproporcional, ao assimétrico é o belo, é a beleza. O diferencial entre a Virgem  Benois de Leonardo Da Vinci e A Boba de Anita Malfatti, pode ser analisado diante dois diferenciais. O primeiro diferencial é a técnica utilizada na confecção da arte. O segundo diferencial é a relação simétrica empregada em cada Pintura. As duas obras têm em comum a harmonia das cores que as garante o caráter de arte e de beleza. Ambas são arte e possuem seu valor, mas a beleza simétrica é diferenciada em cada tela. A primeira mantém aquela característica agradável à vista, simetria. A segunda traz sua simetria na harmonia das cores e isso garante sua beleza.
Como a filosofia  surge do espanto, para chegar a um entendimento do belo e do não belo, não deve-se conceituar a beleza, ela como a filosofia deve surgir do espanto. A beleza de um, não é a beleza de outro. Diante dela o silêncio e a análise daquilo que os seres humanos conceberam como belo ao passar dos séculos é um caminho para atingir a beleza.

 O que é a beleza? O que foi a beleza?

Mirando a história da humanidade e da arte, observa-se que cada cultura possuía e possui um ideal de beleza.  O ideal oriental difere do ocidental e seus ideais particulares de beleza diferem-se entre si. Não existe um padrão conceitual na beleza, nem mesmo em uma mesma cultura. Imagine a concepção de beleza dentro da  cultura brasileira, que é fruto da associação mutualística entre a cultura imaterial nativa, com a material helênica e a imaterial africana e oriental.

Qual é o conceito de beleza dentro dessa cultura em gestação?

 “La belleza era una cualidad que podían poseer los elementos de la naturaleza (Un hermoso claro de luna, un hermoso fruto, un hermoso color)” (ECO, 2010, P.9). A arte ao conceituar a beleza, deixou de lado os artefatos produzidos pelos construtores, pelos camponeses, pelas pessoas simples e estes por não deixarem nada documentado não a conceituaram, pouco resta de suas obras a não ser vestígios de utensílios e algumas ruínas. A publicação de Humberto Eco, assim como os artesãos e construtores, não deseja conceituar a beleza, ela deixa ao encargo do leitor fazer essa concepção a partir de sua percepção, de seu espanto. A indagação: “Qual é o conceito de beleza dentro dessa cultura em gestação?”. Caso possua resposta, não deve ser respondida. Cabe a cada subcultura, pertencente a essa associação, definir seu padrão de beleza e cabe a cada membro, dessas culturas, conceber a beleza.
Eco traz referências dos conceitos de beleza quando por meio de algumas culturas e de seus feitos artísticos demonstra o que é belo para elas. Apresenta suas características históricas e regionais. Suas diversas formas e manifestações. Nesta obra o autor defronta o leitor com diversas imagens de muitos estilos, deixadas por muitos artistas em épocas distintas. Pelo sentido da visão, passa-se de beleza a beleza, das simétricas e harmônicas, as assimétricas e harmônicas. O leitor ao se assombrar diante das imagens deve trazer a luz o conceito de beleza, presente em sua cultura fragmentada.
A antiga Grécia possuía alguns ideais de beleza baseados na simetria, na harmonia, na forma, na estética e nos conceitos (dialética). Disse o oráculo de Delfos: “O mais justo é o mais belo”.
Na idade dourada da Grécia, a beleza sempre está associada a outros valores. Platão, não considerava que a poesia e a beleza estavam ligadas a verdade, apesar de satisfazerem os sentidos. Para ele, o belo deste mundo era apenas uma projeção, uma sombra do Belo em si presente no inteligível e só pela dialética podia-se chegar ao seu conhecimento.  O objeto belo satisfaz os sentidos, especialmente a vista e os ouvidos. Mas é o perceptível que expressa à beleza do objeto. A beleza na arte grega também estava relacionada à perfeição das formas dos corpos esculpidos pela ginástica.
A filosofia dividia a beleza em três partes; a beleza ideal, que representa a natureza e suas partes; a beleza espiritual, representada pelas esculturas em mármore e a beleza útil ou funcional. As definições mais completas de beleza são dadas por Platão: a beleza como harmonia e proporção das partes e a beleza como esplendor. Pela filosofia, segundo Platão, capta-se a verdadeira beleza. Pelo discurso dialético chega-se ao Belo em Si e ao Bom em si. A beleza em Platão não está relacionada implicitamente ao que se vê.
Como a obra mencionada não define o que é a beleza, mas entre muitos conceitos e muitas imagens, apresenta noções para que o leitor faça sua interpretação da beleza, não me acho no direito de conceitualizar a beleza, ou o belo. Essa definição deve vir do mesmo espanto que se tem diante de algo que produz silêncio, espanto que trouxe a luz à filosofia. Espanto que rouba as palavras, que tira e retribui o sopro. Como a beleza segundo Eco não deve ser definida, já que ela parte de conceitos que se têm diante dela. Prefiro conceber como resposta, a mesma analogia falada por um Sábio, que quando foi indagado sobre aquilo que Ele considerava Perfeito e Belo disse:

“‘A beleza’ é semelhante ao negociante que anda em busca de pérolas finas. Ao achar uma pérola de grande valor, vai, vende tudo que possui e a compra” (Mt 13, 45 – 46).

Referencias Bibliográficas.
Eco, H. Historia de la  belleza, China, primera edición en de bolsillo, 2010.
Bíblia de Jerusalém, Nov. Ed. Revista e Ampliada, São Paulo, Paulus, 2004.



[1] Leonardo Da Vinci, 1478.
[2] Anita Malfatti, 1915 – 1916.

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