9 x 9 = 71

Hoje recebi uma mensagem de uma amiga no celular: “Não consigo associar um Deus bom que castiga a um ‘cristão praticante’ somente na palavra”.
Também não consigo entender como alguns “doutores” conseguem matar algo tão belo como o Evangelho com sua saliva peçonhenta. E, através dela, geram mais descrédito nas pessoas em relação à salvação, que tem, por um dos meios, a Igreja. Esses "sábios" conseguem fazer do belo algo abominável. Depois, talvez se perguntem: “Por que temos tão poucos fiéis?”.
Há alguns anos, presencio com muita dor no coração o “profetismo” anunciado pelos “messias” nos púlpitos. Algumas vezes, a dor é tamanha que a vontade de sair da celebração antes de seu término é tão grande quanto o desejo que me levou até ela. Cristo, ou aquilo que determinam sobre Ele esses “especialistas”, talvez esteja muito longe de suas palavras. Pelo repúdio e abominação da imagem que transmitem, talvez o olhar que lançam sobre seu Cristo se distancie da imagem do Jesus de Nazaré revelado pelas Escrituras.
Posso estar indignado sem motivo. Posso até escrever aqui devaneios de um católico que busca ser cristão, já que não sou teólogo de cátedra. Porém, creio que minhas três décadas aprendendo a engatinhar na fé me permitem fazer uma observação à minha amiga, que ficou tão impressionada diante do olhar não bem-intencionado do teólogo que lhe revelou que o Deus da Misericórdia condena.
Sim, o Evangelho de hoje é difícil, tanto para o “pregador” que lhe deu uma interpretação horrível da palavra de Deus quanto para um pobre estudante jesuíta de filosofia que pouco intui. Lembro-te, cara amiga, de nossa natureza corruptível e decadente, similar a todas as coisas em nosso universo físico. Coisas determinadas por um início e por um fim, que se consomem até deixarem de ser o que são.
Lembrei-me, através de sua indignação, de um exemplo que sempre gostei de dar em minhas aulas de matemática, quando tentava animar algum aluno. Escrevia a tabuada do nove na lousa, que, a meu ver, é a mais fácil, e colocava um resultado errado. Em seguida, perguntava: “O que vocês estão vendo aqui?”.
Porém, o que tem a ver a tabuada com o trecho do Evangelho de Lucas (Lc 13, 22-30)?
Como não sou teólogo, e a única coisa que sei é somar, subtrair, multiplicar e dividir (mesmo assim superficialmente), devo partir daquilo que conheço. Assim fazia Jesus: partia daquilo que conhecia, de seu contexto cultural, de sua tradição. Creio que, quando nosso amigo disse que o Senhor da Misericórdia condena, tenha partido de sua tradição. Eu, porém, em minha reflexão matinal, olhei para esse Evangelho e o contemplei de uma maneira muito distinta do “doutor” que presidiu a celebração da qual você participou. Acredito que minha ignorância em exegese me permite sentir e saborear melhor as palavras sagradas internamente, sem buscar o muito saber.
Aconselho-te, minha amiga, a ler esse texto e ver a beleza que está oculta em suas palavras. Não é uma condenação de Jesus, mas sim um alerta. Essa pergunta pressupõe uma resposta: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?”. Ela se assemelha a uma afirmação.
Lembre-se de que, para os judeus, somente seu povo carregava a salvação, e eles eram um número muito reduzido em relação a toda a humanidade. Não se espante pelo que pensavam os judeus. Antes do Concílio Vaticano II, há cinquenta anos, a Igreja era considerada o único caminho de salvação e, segundo nossa tradição, a porta estava trancada para mais de dois terços da humanidade. Fixe seu olhar na resposta do Nazareno.
Jesus logo responde: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não conseguirão”. Depois disso, como quem bebia de sua tradição, contou uma história para quem fez aquela pergunta que já carregava a resposta.
Lembre-se da trajetória do povo em questão, o primeiro e único a ser escolhido por Deus, segundo sua tradição, e reflita sobre quanta injustiça podem ter cometido seus doutores na história da salvação de seu povo, mesmo quando esse “Povo Escolhido” comia e bebia junto a Deus, junto ao “Dono da Casa”. Agora me pergunto:
Quando a pessoa verá Abraão, Isaac e Jacó (os pais da fé) e todos os profetas (alguns mortos por seu próprio povo)? Quando alguém verá o Reino de Deus? Para ver esse Reino, não há a necessidade de estar nele? Então, quem está fora desse reino? Na face de quem será batida a porta?
O mais bonito dessa leitura não é o choro e ranger de dentes, mas sim todos os povos chegando a esse Reino sem distinção, de todas as direções. Na minha contemplação, vi esta cena:
Todos os povos chegando diante de Deus e partilhando a mesma salvação que receberam Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas, mortos pela injustiça de quem perguntou: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?”.
Agora retorno à tabuada do nove. Infelizmente, cem por cento de meus alunos diziam que viram o erro, que a tabuada estava errada.
- “Professor, 9x9=81!”
Mas a resposta que devia ser dada não era o erro. Todos que estudam sabem que 9x9 não é 71, porém poucos são capazes de ver o que pode ser o mais importante. Essas crianças deviam analisar que, diante de tanta coisa boa, diante de nove acertos, existia apenas algo errado e deviam salvar os noventa por cento. Podiam responder assim: “Olha, professor, que coisa bonita: teve nove acertos. Vamos consertar essa falta de harmonia”.
Nos obrigamos, muitas vezes, a reconhecer erros, porém devemos olhar para as coisas boas da vida, para os noventa por cento de beleza, e ajudar o 71 a encontrar seu lugar. Infelizmente, a Igreja possui esse dez por cento que gosta de aterrorizar a vida das pessoas. Antes de os criticar, devemos mostrar a eles o lugar que devem ocupar. Colocar diante deles Jesus de Nazaré, aquele que nossa fé diz ser o Cristo.
Talvez, àqueles que transmitem a imagem de um "Deus carrasco", falte um pouco de espírito cristão para se tornarem cristãos e se colocarem de braços abertos junto aos pais da fé e aos profetas no Reino de Deus, que recebem de braços abertos os que chegam de todas as direções e por caminhos diversos. Enquanto não derem mais um passo em direção ao Cristo, continuarão batendo a porta na face dos filhos de Deus e afastarão da fé pessoas de bom coração, como você, que se sentiu tocada pela afirmação feita naquela reflexão.
Temos que ver os noventa por cento de cristãos que vivem o cristianismo em silêncio e olhar para aqueles que, apesar de nunca terem ouvido falar de Cristo, nos revelam a face do próprio Cristo. Não olhe para as maritacas que, diante de tanta gritaria, não conseguem ver o bem presente no ser humano, bem que está nele simplesmente por ser humano, e que é o maior sinal não escrito da redundância da misericórdia de Deus.
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