9 x 9 = 71

David J. Santos






Hoje recebi uma mensagem de uma amiga no celular: “Não consigo associar, um Deus bom que castiga de um “cristão praticante” somente na palavra”.
Também não consigo entender como alguns “doutores” conseguem matar algo tão belo como o evangelho com sua saliva peçonhenta. E através dela geram mais descredito nas pessoas em relação à salvação. Salvação que tem por um dos meios a Igreja. Esses "sábios" conseguem Fazer do belo, algo abominável. Depois talvez se perguntem: “Por que temos tão poucos féis?”.
 Há alguns anos presencio com muita dor no coração o “profetismo” anunciado pelos “messias” nos púlpitos. Algumas vezes a dor é tamanha que a vontade de sair da celebração antes de seu término é tão grande quanto o desejo que gerou a vontade de ir até ela. Cristo, ou que seja o que determinam esses “especialistas”  sobre Ele, talvez esteja muito longe de suas palavras. Pelo repudio e abominação da imagem que transmitem talvez o olhar que lançam sobre seu Cristo se distancie da imagem do Jesus de Nazaré revelado pelas escrituras.
Posso estar indignado sem motivo, posso até escrever aqui devaneios de um Católico que busca ser Cristão já que não sou teólogo de cátedra. Porém, creio que minhas três décadas aprendendo a engatinhar na fé me permitem fazer uma observação a minha amiga, que ficou tão impressionada diante do olhar não bem intencionado do teólogo que a revelou que o Deus da Misericórdia condena.
Sim, o evangelho de hoje é difícil tanto para o “pregador” que lhe deu uma interpretação horrível da palavra de Deus, quanto para um pobre estudante Jesuíta de filosofia que pouco intui. Lembro-te cara amiga de nossa natureza corruptível e decadente, natureza similar a todas as coisas em nosso universo físico. Coisas determinadas por um início e por um fim, coisas que se consomem até deixarem de ser o que são.
Lembrei-me, através de sua indignação, de um exemplo que sempre gostei de dar em minhas aulas de matemática, quando tentava animar algum aluno. Escrevia a tabuada do nove na lousa, que a meu ver é a mais fácil e colocava um resultado errado. Em seguida perguntava: “O que vocês estão vendo aqui?”.
Porém, o que tem a ver a tabuada com o trecho do evangelho de Lucas (Lc 13, 22-30)?
Como não sou teólogo e a única coisa que sei é somar, subtrair, multiplicar e dividir (mesmo assim superficialmente) devo partir daquilo que conheço. Assim fazia Jesus, partia daquilo que conhecia, partia de seu contexto cultural, partia de sua tradição. Creio que quando nosso amigo disse o Senhor da Misericórdia condena tenha partido de sua tradição. Eu porém em minha reflexão matinal, olhei para esse evangelho e o contemplei de uma maneira muito distinta ao “doutor” que presidiu a celebração na qual participou, acredito que minha ignorância em exegese permite com que eu sinta e saboreie melhor as palavras sagradas internamente e não busque o muito saber.
Aconselho a ti minha amiga que leia esse texto e veja a beleza que está oculta em suas palavras, não é uma condenação de Jesus, mas sim um alerta. Esta pergunta pressupõe uma resposta: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?”. Ela se assemelha a uma afirmação.
 Lembre-se que para os Judeus somente seu  povo carregava a salvação e eles eram um número muito reduzido em relação à toda a humanidade. Não se espante pelo que pensavam os Judeus, antes do concilio vaticano segundo, há cinquenta anos, a Igreja era o único caminho de salvação e segundo nossa tradição a porta estava trancada para mais de dois terços da humanidade. Fixe seu olhar na resposta do Nazareno.
Jesus logo responde: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu voz digo que muitos procurarão entrar e não conseguirão”. Depois disso, como bebia de sua tradição, contou uma história para quem fez aquela pergunta que já carregava a resposta.
Lembre-se da trajetória do povo em questão, o primeiro e o único a ser escolhido por Deus segundo sua tradição e reflita sobre quanta injustiça podem ter cometido seus doutores na história da salvação de seu povo, mesmo quando esse “Povo Escolhido” comia e bebia  junto a Deus, junto ao “Dono da Casa”. Agora me pergunto:
 Quando a pessoa verá Abraão, Isaac e Jacó (os pais da fé) e todos os profetas (alguns mortos por seu próprio povo)? Quando alguém verá o Reino de Deus? Para ver esse Reino, não há a necessidade de estar nele? Então, quem está fora desse reino? Na face de quem será batida a porta?
O mais bonito dessa leitura não é o choro e ranger de dentes, mas sim, todos os povos chegando a esse Reino sem distinção, de todas as direções. Na minha contemplação vi esta cena:
Todos os povos chegando diante de Deus e partilhando a mesma salvação que recebeu Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas, mortos pela injustiça de quem perguntou: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?”.
Agora retorno à tabuada do nove. Infelizmente cem por cento de meus alunos diziam que viram o erro, que a tabuada estava errada.
- Professor “9x9=81”!
Mas a resposta que devia ser dada não era o erro, todos que estudam sabem que 9x9 não é 71 porém poucos são capazes de ver o que pode ser o mais importante. Essas crianças deviam analisar que diante de tanta coisa boa, diante de nove acertos existia apenas algo errado e deviam salvar os noventa por cento, podiam responder assim: “Olha professor que coisa bonita teve nove acertos, vamos concertar essa falta de harmonia”.
Nos obrigamos muitas vezes a reconhecer erros, porém devemos olhar para as coisas boas da vida, para os  noventa por cento de beleza e ajudar o 71 a encontrar seu lugar. Infelizmente a Igreja, possui esse dez por cento que gosta de aterrorizar a vida das pessoas, antes de os criticar devemos mostrar a eles o lugar que devem ocupar. Colocar diante deles Jesus de Nazaré, aquele que nossa fé diz que é o Cristo. 
Talvez a quem transmite a imagem de um "Deus Carrasco" falte um pouco de Espírito Cristão, para se tornarem Cristãos e se colocarem de braços abertos junto aos Pais da fé e aos profetas no Reino de Deus que recebem de braços abertos aos que chegam de todas as direções e por caminhos diversos. Enquanto não derem mais um passo em direção ao Cristo continuarão batendo a porta na face dos filhos de Deus e afastarão da fé pessoas de bom coração como você que se sentiu tocada pela afirmação feita naquela reflexão. Temos que ver os noventa por cento que de Cristãos  que vivem o Cristianismo em silêncio e  olhar para aqueles que apesar de nunca terem ouvido falar do Cristo nos revelam a face do próprio.  Não olhe para as maritacas que diante de tanta gritaria não conseguem ver o bem presente no Ser Humano, bem que está presente nele simplesmente por ser Humano e que é o maior sinal não escrito da redundância da misericórdia de Deus.

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