Educação e Espiritualidade.


David J. Santos, nasceu em Lorena - SP no ano de 1983. Licenciado em Matemática pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e discente de Filosofia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Pratica a Espiritualidade Inaciana e auxilia na prática dos EE[i].
A dimensão espiritual faz parte da vida de todo àquele que é capaz de se perguntar sobre o porquê das coisas. Está presente principalmente nas reflexões sobre aquilo que escapa da natureza física do Mundo. Ela pode ser orientada pela pura reflexão filosófica, ou ser guiada pela dimensão devocional, pela fé. Está presente no culto devocional, mas o antecede e escapa dele. Faz parte da experiência individual, do contato com o mundo, do contato com aquilo que escapa a capacidade reflexiva. Ferdinand Rohr na obra em que estudamos expõe que a dimensão espiritual parte do meio mais denso para o menos denso, transcrevendo, ela parte daquilo que pode ser captado pelo sensível para aquilo que não poder ser captado pelo sensível. 
A dimensão educacional, ou seja, a ação das gerações adultas sobre as gerações mais novas. Exerce a função de transmissora da cultura e das normas de determinada sociedade. Em algumas culturas ela abarca um tipo de espiritualidade, já nas culturas estritamente científicas a dimensão educacional é orientada, em seu extremo, pela negação total de qualquer tipo de espiritualidade, de algo que esteja fora do universo físico. Para esses, a transcendência do universo está contida em si mesmo, não há uma causa primeira e a constante “Criador - Ordenador” não entra em suas equações.
A reflexão que se segue, está embasada nas discussões que tivemos em sala de aula[ii], sobre o tema brevemente exposto acima, Educação e Espiritualidade. Iniciamos nossa discussão em torno da reflexão de Ferdinand Rohr[iii], mas não nos contivemos nele, seguimos adiante. Cada pessoa de nossa diversa turma contribuiu um pouco com nossa reflexão. Trouxemos para o meio acadêmico, de postura científica e metódica, nossa individualidade, nossas experiências pessoais e as tornamos comum. Éramos discentes de física, pedagogia, filosofia, psicólogos e filósofos. Discutimos um assunto que a uns era familiar e a outros era totalmente estranho. Teístas, Agnósticos e Ateus, unidos em um projeto transdisciplinar que contava com a experiência única e individual de cada um.
Considero que a dimensão espiritual escapa de qualquer tentativa de definição, ela como a arte, como o belo, não está presa a linguagem, não pode ser possuída. É gratuita e está ao alcance de todos. Qualquer tentativa de defini-la se esvazia em si mesma. Ela é fruto da experiência individual e coletiva. É a mãe da fé, não pode ser contida no imanente, não é propriedade individual e muito menos é patrimônio das religiões. Pertence ao campo do transcendente, do metafísico. Antecede nossa existência no mundo.
Considero também que: a educação tende a reproduzir os padrões existentes, aprisionando as gerações mais novas no mundo rabiscado pelas gerações adultas. Sendo ela uma forma de transmissão da cultura, não pode ser tratada no singular, dado ao caráter plural de nossa civilização. Também a espiritualidade, que na maioria das vezes é vinculada a uma manifestação religiosa que a dogmatiza e a sacraliza, não pode ser tratada no singular. Em nosso contexto plural, não temos somente uma educação no singular, mas educações. Muito menos temos uma espiritualidade, mas espiritualidades. Devemos então tratar do assunto como educações e espiritualidades. Sua redução - a educação e a espiritualidade - é mero recurso didático.
Por séculos o mundo ocidental e cristão ditou as regras para a dimensão espiritual no ocidente, principalmente na Europa e na América. Agora esse mundo experimenta a queda do fenômeno Religião, o secularismo e a retomada das religiosidades. XV séculos de domínio religioso, pouco a pouco, estão sendo substituídos pelo que acredito ser, o novo processo histórico cientificista. Comparo esse processo ao ocorrido na passagem do mito para filosofia na Grécia antiga. Como as narrativas deixaram de ser necessidade para cultura grega, hoje para parte de nossa cultura não é mais necessário algo fora do Mundo para que o mesmo exista. Na visão cosmológica moderna, apenas quatro forças garantem a existência de tudo que nos cerca. As forças fraca e forte da Física Quântica e as forças Eletromagnética e Gravitacional da Cosmologia. A transcendência do Cosmos está praticamente contida nele mesmo. Não existe nada, fora dessa realidade.
O Homem está, a cada dia, sendo reduzido a si mesmo. Seus processos mentais são definidos meramente por reações eletroquímicas do cérebro. O mundo, anterior ao Cristão, o mundo de Platão e Aristóteles. Está sendo reduzido ao mundo Físico, Químico e Biológico que é interpretado pelas reações químicas ocorridas no cérebro humano. Muitos cientistas pensam como o físico Murray Gell-Mann, que conclui seu curso, Beleza e verdade na física, com a seguinte frase: Não é preciso algo mais para explicar algo mais[iv].
Nesse novo mundo, a Religião já não é a aliada primeira do Estado, a ciência tomou seu espaço e devido a suas limitações em responder as questões de primeira ordem[v] (O que é número? O que é o tempo? O que é a beleza?), as silencia e as considerada absurdo. Restam nesse caso as questões de segunda ordem, sobre os motivos que levam a ciência a não lidar com as questões de primeira ordem. A filosofia e a teologia no uso de seus métodos se preocupam com as questões que a ciência “ainda” é relutante em abordar: o que é a beleza?  O que é a vida? Por que o mundo existe? Quem é Deus? O universo teve início no tempo, ou é eterno? Existe uma causa primeira? [...]?
Nesse “novo mundo” relutante às questões de primeira ordem, não se faz necessário saber o porquê das coisas. Deve-se saber somente como elas funcionam, como se comportam, do que são constituídas. O pensamento funciona devido a reações ocorridas no cérebro que originam a consciência, mas o porquê que essas reações acontecem “não nos interessa mais”. Caminhamos talvez para o que escreve Jim Holt: Tal como nossas vidas, a vida do universo pode ser um intervalo entre dois nadas (Holt, 2013). Caminhamos para um mundo matematizado, “Neo Pitagórico”, onde tudo é descrito por números, números que são entendidos como entidades que regulam e determinam o Cosmos. Somos viventes, presos em um vivente, contido no intervalo de nadas. Esse modelo nos prende em um Universo que transcende em si mesmo que pode nos levar a pensar: “Do nada viemos para o nada iremos”.
O que é o nada?
Será o cosmos causa sui?
Como é possível falar de espiritualidade, quando essa faz parte do Cosmos, mas também escapa Dele?
É a espiritualidade o nada anterior, e o nada posterior estando ao mesmo tempo presente na vida do universo?
Somos somente furto das reações Bioquímicas que acontecem em nosso cérebro? Se as somos, que sentido tem nossa existência?
Está ela presa entre os dois nadas?
Até onde a ciência tomada como novo modelo de explicação do Mundo, pode realmente o explicar e dar sentido a nossas existências?

Ferdinand descreve o movimento espiritual indo do meio mais denso, da matéria, para o meio menos denso, do corpóreo para o incorpóreo. Essa discussão do corpóreo ao incorpóreo, unida a algumas definições expostas pelos discentes de física, onde os mesmos, segundo as definições da física, nos apresentaram a estrutura do átomo, composto em sua maior parte de espaço vazio. Essa discussão sobre o vazio gerou a seguinte suposição. Se a matéria é toda constituída de átomos, se a maior parte do átomo é vazio, então a matéria em sua maior parte é espaço vazio.
Se for a matéria espaço vazio, o que vemos, o que tocamos?
Nosso pensamento, devido sua raiz teísta, também nos leva a imaginar que o universo teve um início. George Lemaître, pela hipótese do átomo primitivo, disse o mesmo, demonstrando por cálculos que o universo teve um início no tempo e que está em expansão. Einstein na tentativa de negar essa expansão criou a constante cosmológica, o que ele mesmo reconheceu como maior erro de sua vida acadêmica. Não presos a definições, como esteve Einstein na tentativa de condicionar sua teoria a sua visão de mundo, nos demos o direito de também nos perguntar.
 E se o universo for eterno?
A cada dia a ciência, já adotada pelo estado, como a nova portadora das verdades que regem a sociedade e a vida. Das verdades que regem o intervalo entre os dois nadas de Jim Holt. Traz para o imanente o transcendente. Desde Newton a constante Deus, não entra mais como hipótese para a base das leis matemáticas que regem a realidade. A ciência condena nossa existência a finitude e como possibilidade de fuga nos diz que no futuro seremos capazes de fazer a transferência de nossa mente a uma máquina, aumentando assim nossa existência e nos livrando do peso da corruptibilidade do corpo. Porém, máquinas são feitas de matéria e a matéria por si também se degrada, também está condicionada ao intervalo de nadas.
Transcendemos ao que vemos, ou não? O que faz gerar os impulsos no cérebro, que nos levam a reconhecer o Mundo pelos sentidos? Existe algo eterno em nós? O que é a intelecção? É operação exclusiva de quem, do quê? O que é o homem? Por que o mundo existe? O que é o espírito?
Foram essas as questões que nossa discussão despertou, questões de caráter reflexivo que vão além da ciência, questões filosóficas, teológicas e quem sabe Espirituais, já que nos projetam a algo fora de nossa compreensão. São as questões de Tales, Parmênides, Sócrates, Platão, Aristóteles. Questões tão absurdas como a feita há 2500 anos por Tales e pelos pré-socráticos: De que são feitas as coisas? (Holt, 2013). Ou mesmo semelhantes às feitas a um Judeu há aproximadamente 2000 mil anos: O que é o reino dos céus?
O tema educação e espiritualidade devido a seu caráter específico e plural é um desafio a nossa cultura, cada vez mais condicionada às normas científicas. A espiritualidade não exclui o avanço científico, muito menos a convivência harmônica na pluralidade do mundo religioso, não é obstáculo à ciência. Porém tem sido, em grande parte, negada pela ciência. Caso continue sendo negada pelos novos dizentes das verdades. Corremos o risco de sermos todos condenados a um intervalo entre dois nadas, nossa existência se esvaziará a cada dia, dando espaço as novas drogas psicoterápicas que servirão de consolo para o vazio existencial que a esmagará. Assim, devemos pensar em uma maneira de abordar a espiritualidade no processo educacional, sem que ele esteja a serviço de nenhuma religião, ou mesmo de uma corrente filosófica, mas sim a serviço do indivíduo que está recebendo e construindo a cultura e suas normas. Para que ele com uso da “liberdade” faça escolhas que não neguem a possiblidade de algo que o antecede e o sucede.

Tal como nossas vidas o universo pode ser um intervalo entre o Ser e o Ser, dado no tempo, mas não contido nele.

 Encerro essa reflexão com um breve poema de minha autoria.
O mistério
David j. Santos



No infinito buscamos o infinito
Na finitude buscamos a finitude
Na escuridão buscamos trevas
Na luz buscamos Luz

Do conhecido ao conhecido
De precipício a precipício
De montanha a montanha
Do igual ao igual

Não há nada novo
Não há nada espetacular
Oh, Coélet, nada há de novo!
Oh, Coélet, nada há de novo!

De vaidades a vaidades
Tudo é mera vaidade!
Desejo infundado
Desejo perturbado

Há um antigo que é novo
Há um princípio que é causa
Há um desconhecido que é conhecido
Há algo escondido, tesouro bandido

Que algo é esse, Coélet?
Que algo é esse, Coélet?
É o mistério!
É o mistério!




Bibliografia
HOLT, Jim. Um mistério existencial; Por que o mundo existe? Rio de Janeiro-RJ, Editora Intrínseca Ltda., 2013.
ROHR, Ferdinand. Educação e espiritualidade,
ROSENBERG, Alex. Introdução a filosofia da ciência, São Paulo – Brasil, Edições Loyola, 2009.




[i] Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola: é uma prática de oração onde se utiliza os seguintes modos de oração: Oração de consideração; Oração de meditação; Oração de Contemplação; Oração de contemplação com aplicação dos sentidos. Dados em quatro semanas, que correspondem à vida de Cristo, da encarnação a ressurreição.
[ii] Disciplina: Educação e Espiritualidade. Professora: Conceição Clarete Xavier. UFMG 2013-2
[iii] Educação e Espiritualidade; Contribuições para uma compreensão multidimensional da realidade, do homem e da educação: estudamos o capitulo I dessa obra e empenhamos nossa discussão em torno de sua visão de espiritualidade.

[v] Ler, ROSENBERG, Alex: Introdução a filosofia da ciência, edições Loyola, 2009 – pág 18.

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